sábado, 4 de fevereiro de 2006

Em dado momento o Rei Vermelho pergunta a Alice: "O que você está vendo?", e Alice responde: "Nada". O Rei impressionadíssimo, comenta: "Mas que ótimos olhos você tem!"

Sinto-me uma cega perante Alice em dias como os últimos.
De repente a melancolia. Aquela mesma que usualmente me atira às lembranças mais dolorosas. Às saudades.
E com ela a insônia. E esta não por excesso de cafeína ou por haver mais o que fazer durante a noite; ocorre simplesmente porque de repente dormir parece incabível.

Dormir. Sonhar, quem sabe.

Mas sonhar parece indigno demais.
E o amanhã parece demoradamente não tardar. E tudo ainda é tão melancólico: O despertador que toca importunamente fazendo tudo parecer cedo demais. O banho. A aurora. O café fervendo. A cor das listras do par de meias que vá se calçar. O ônibus que demoro um pouco a passar. E como o nível de cafeína não parece elevado o suficiente a visão de algo tolo como o banco defronte a porta da sala de aula parece de repente excessivamente apropriada.
É só um querer ser deixado em paz no canto do banco para poder observar e somente observar que até discutir com algum ¿chato oficial¿ perde o seu encanto. As piadas, todas elas perdem o seu encanto. A aula de Matemática, ela perde seu encanto. Qualquer intervalo entre aulas perde o seu encanto. E de repente lá estou assentada no tal do banco observando pessoas passarem quando alguém me resgata daquilo: "Que cena emo!" Emo? Só queria passar o dia todo num banco como aquele assistindo à vida. Por quê? Por quê? Pra quê?
Eu e a minha disparatada mania de observar as pessoas. Analisa-las enquanto me pergunto incansavelmente: O que há por trás daqueles rostos? O que pensam? O que sentem? O que as leva a agir dessa forma? Alcançam assim algo que se possa chamar felicidade?

- Oh! Sim! Amanhã virei com um arco vermelho de bolinhas brancas na cabeça, aliás ele combinaria perfeitamente com meus óculos.
- ... você poderia usar também uma porção de coisas xadrez.
- ... Xadrez? - Julia olha para os tênis. - Já estou quase lá, Ah?

E de repente qualquer rótulo parece indevido. E o que é o vício de rotular a tudo o que se pode senão a ignorância do que se trata?
Seguir tendências parece frívolo. Mas deixando de lado tudo aquilo que é só parecer pergunto-me o que é o ser? No meio de tantas pessoas quem realmente é o que? As pessoas que se apegam aos rótulos e ao parecer entendem o que significa o ser? Usando de um exemplo típico: Pessoas que seguem a moda de beijar outras do mesmo sexo entendem o que leva àquilo ou só realmente um homossexual é capaz de entender o que - excluindo todo o mundo de cores que cantam a diversidade, excluindo todo o mais - é "ser gay"?
Presumiria que sim. Assim como, usando característica mais bem aceitas na sociedade como exemplo, os Românticos parecem tolos e errôneos aos Frígidos e só os românticos parecem capazes de realmente entender o que é ser romântico.

Já voltando à Alice. Penso se não é um erro tentar sempre enxergar o que há além. Pergunto-me se não é um erro imperdoável perder meu tempo em um dia melancólico observando as pessoas e historiando e fantasiando sobre suas possíveis vidas.
Talvez por mais que tentemos entender o que há além a verdade seja que não há nada para entender.

Lembro-me agora de uma escritora Ucrânia, naturalizada brasileira de que gosto muito. Sua escrita é tão boa, que não gastarei as minhas próprias palavras explicando porque admirá-la. Tomarei emprestadas as dela mesma: "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas." (Clarice Lispector) Venho cita-la agora não para aproveitar da já feita citação, mas de uma outra frase em específico que li, se não me engano, em um livro dela chamado Laços de Família. Concluo o meu dia de melancolia, bancos e pensamentos com ele:

"Não se preocupe em entender'. Viver ultrapassa todo entendimento."

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