Em dado momento o Rei Vermelho pergunta a Alice: "O que você está vendo?", e Alice responde: "Nada". O Rei impressionadíssimo, comenta: "Mas que ótimos olhos você tem!"
Sinto-me uma cega perante Alice em dias como os últimos.
De repente a melancolia. Aquela mesma que usualmente me atira às lembranças mais dolorosas. Às saudades.
E com ela a insônia. E esta não por excesso de cafeína ou por haver mais o que fazer durante a noite; ocorre simplesmente porque de repente dormir parece incabível.
Dormir. Sonhar, quem sabe.
Mas sonhar parece indigno demais.
E o amanhã parece demoradamente não tardar. E tudo ainda é tão melancólico: O despertador que toca importunamente fazendo tudo parecer cedo demais. O banho. A aurora. O café fervendo. A cor das listras do par de meias que vá se calçar. O ônibus que demoro um pouco a passar. E como o nível de cafeína não parece elevado o suficiente a visão de algo tolo como o banco defronte a porta da sala de aula parece de repente excessivamente apropriada.
É só um querer ser deixado em paz no canto do banco para poder observar e somente observar que até discutir com algum ¿chato oficial¿ perde o seu encanto. As piadas, todas elas perdem o seu encanto. A aula de Matemática, ela perde seu encanto. Qualquer intervalo entre aulas perde o seu encanto. E de repente lá estou assentada no tal do banco observando pessoas passarem quando alguém me resgata daquilo: "Que cena emo!" Emo? Só queria passar o dia todo num banco como aquele assistindo à vida. Por quê? Por quê? Pra quê?
Eu e a minha disparatada mania de observar as pessoas. Analisa-las enquanto me pergunto incansavelmente: O que há por trás daqueles rostos? O que pensam? O que sentem? O que as leva a agir dessa forma? Alcançam assim algo que se possa chamar felicidade?
- Oh! Sim! Amanhã virei com um arco vermelho de bolinhas brancas na cabeça, aliás ele combinaria perfeitamente com meus óculos.
- ... você poderia usar também uma porção de coisas xadrez.
- ... Xadrez? - Julia olha para os tênis. - Já estou quase lá, Ah?
E de repente qualquer rótulo parece indevido. E o que é o vício de rotular a tudo o que se pode senão a ignorância do que se trata?
Seguir tendências parece frívolo. Mas deixando de lado tudo aquilo que é só parecer pergunto-me o que é o ser? No meio de tantas pessoas quem realmente é o que? As pessoas que se apegam aos rótulos e ao parecer entendem o que significa o ser? Usando de um exemplo típico: Pessoas que seguem a moda de beijar outras do mesmo sexo entendem o que leva àquilo ou só realmente um homossexual é capaz de entender o que - excluindo todo o mundo de cores que cantam a diversidade, excluindo todo o mais - é "ser gay"?
Presumiria que sim. Assim como, usando característica mais bem aceitas na sociedade como exemplo, os Românticos parecem tolos e errôneos aos Frígidos e só os românticos parecem capazes de realmente entender o que é ser romântico.
Já voltando à Alice. Penso se não é um erro tentar sempre enxergar o que há além. Pergunto-me se não é um erro imperdoável perder meu tempo em um dia melancólico observando as pessoas e historiando e fantasiando sobre suas possíveis vidas.
Talvez por mais que tentemos entender o que há além a verdade seja que não há nada para entender.
Lembro-me agora de uma escritora Ucrânia, naturalizada brasileira de que gosto muito. Sua escrita é tão boa, que não gastarei as minhas próprias palavras explicando porque admirá-la. Tomarei emprestadas as dela mesma: "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas. O melhor ainda não foi escrito. O melhor está nas entrelinhas." (Clarice Lispector) Venho cita-la agora não para aproveitar da já feita citação, mas de uma outra frase em específico que li, se não me engano, em um livro dela chamado Laços de Família. Concluo o meu dia de melancolia, bancos e pensamentos com ele:
"Não se preocupe em entender'. Viver ultrapassa todo entendimento."
pagamento
-
Eu preciso
escrever um poema,
um pagamento.
Mas
não tem problema.
Eu, às vezes,
vendo minha dor,
da minha veia de ator,
pois só me resta essa cena.
Mas ser...
Há 20 horas
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