segunda-feira, 18 de junho de 2007

Recebe a prova. Provavelmente a sua pior nota em alguma coisa que envolva números por toda a vida. Não que não estude. Estudou uma semana inteira a fio para a prova em questão. Sem cinema, sem literatura. Cálculo. Cálculo. Cálculo. Guarda a prova na bolsa sentindo um quê de amargura na garganta e toma o caminho de casa. Não há nada mais óbvio a se fazer. Resignação, eis a única possibilidade. Pensa na garrafa de café que tomará e nas centenas de páginas sem graça que terá de ler. Os exemplos numéricos que terá que analisar. Nas letras gregas que usará. Nunca sua vida nunca pareceu tão chata e medíocre como agora. Não ler. Não ir ao cinema. Não filosofar em um buteco. Não escrever - sobretudo não escrever. Afundar-se no cálculo. Estudar outra língua como um instrumento para afundar-se ainda mais no cálculo. E para que? Que poesia há por trás disso tudo? Onde está a física? Onde está a física, aquela cuja única serventia aparente é resgatar a poesia por trás dos aparentemente inúteis números?! A mãe se preocupa. "Que tal um professor particular?" O que soa quase como insulto. Viver dezoito anos livre de professores particulares (se tornar um) para necessitar de um deles? Nunca! Nem se não houvesse chance de recuperação. Assumir as próprias responsabilidades. Esta é a questão. Aceitar-se a si mesma com uma nota abaixo da média (e muito). Talvez dispensar o futuro coordenador da termodinâmica, pensa ao lembrar-se da batalha perdida junto as equações diferenciais e do quão alheios os companheiros de empreitada possam inocentemente se tornar. Tudo ao seu tempo; deveria ter ouvido a mãe. Você terá um estágio quando estiver pronta para isso. Deveria ter ouvido o amigo da família, o filósofo; aquele que sempre pergunta se ela continua escrevendo. "Sim", sempre responde embora nem sempre isso seja verdade. Pensa no quão realizada sente-se em ter voltado a atrapalhar as estatística à cerca de quantos livro um brasileiro lê por ano, quando julgou ter sua vida literária marcada, de forma negativa, para sempre pelo fatídico ano de vestibular. Observa, já em seu quarto, a pilha de livros recém adquiridos no oitavo (ou seria nono?) salão do livro. Como seria feliz se pudesse esquecer o cálculo e se dedicar a eles. Se tivesse coragem. Mas é alguém que leva a vida a sério. Ou tenta levar. Assim como aprendeu desde a infância. Começa a desocupar a escrivaninha a fim se entregar ao cálculo pelo resto do dia. Abre a mochila em busca do estojo e se depara com o livro que passou a última madrugada lendo (inacabado). Pensa no cálculo que deve ser estudado. Pensa nas provas da semana. Nas balas que devem ser desenformadas amanhã ou depois. Pega o livro e volta a lê-lo. O cálculo pode ficar para depois. Deveria voltar a escrever. Sempre foi a sua válvula de escape. Sim, voltará a escrever assim que terminar este livro.
Eis aqui o mundo, você vive nele e é grata por isso. Tenta ser grata.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

" Ai, Viramundo de minha vida, que vira Minas pelo avesso, sem revelar aos meus olhos o seu mais impenetrável mistério! Ai, Minas de minha alma, alma do meu orgulho, orgulho de minha loucura, acendei uma luz no meu espírito, iluminai os desvãos de meu entendimento e mostrai-me onde se esconde esse vagabundo maravilhoso, esse meu irmão desvairado que no fundo vem a ser a melhor razão existir. Foi ele, esse iluminado de olhos cintilantes e cabelos desgrenhados, que um dia saltou dentro de mim e gritou basta! Num momento em que meu ser civilizado, bem penteado, bem vestido e ponderado dizia sim a uma injustiça. Foi ele quem amou a mulher e a colocou num pedestal e lhe ofereceu uma flor. Foi ele quem sofreu quando jovem a emoção de um desencanto, e chorou quando menino a perda de um brinquedo, debatendo-se na camisa-de-força com que tolhiam o seu protesto. Este ser engasgado, contido, subjugado pela ordem iníqua dos racionais é o verdadeiro fulcro da minha verdadeira natureza, o cerne da minha condição de homem, herói e pobre-diabo, pária, negro, judeu índio, santo, poeta, mendigo e débio-mental. Viramundo! Que um dia há de rebelar-se dentro de mim, enfim liberto, poderoso na sua fragilidade, terrível na pureza de sua loucura."

[Fernando Sabino, O Grande Mentecapto]

Arrumei um novo motivo pra escrever um livro. Quero imitar o Sabino e expulsar uma personagem do meu livro. Sim, sim! Eu quero ser Deus. huunf!
E não é uma simples imitação. É uma manifestação artística mais fantástica do que pessoas de vermelho no 5102.
Vê? O vermelho continua, muda só o meio. Sem ônibos mas através de uma Olivetti. Oh! Romantismo furado!