segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Continua o meu fadário de perguntar-me o que sou eu ou porque sou como sou. Continua a sina de refletir incansavelmente sobre alguma coisa.
Como ao encontrar um endereço a mais, no histórico do computador de alguém, pensar: ¿isso não deverias estar aqui¿ e perder o sono indagando: ¿Será que ela sabe? Será que ela sabe? Será que ela sabe?....¿ E se ela soubesse, o que demais saberia?

E o mendigo diz enquanto fita o céu:
- Afinal, não me hás de cair em cima.
E o céu:
- Nem tu me hás de escalar.


Quantas vezes eu mesma não disse que Machado era Deus?
Quantas vezes eu não expliquei, a quem me interpelasse a respeito, que meu ateísmo não se resumia à incredulidade, mas à descrença na limitação imposta pelas religiões e à mania do ser humano dar nome às coisas?!
Na última sexta-feira o professor de Literatura (sim, aquele perfeito, com o qual alguém disse que casaria) repetiu o mesmo discurso de todos os admiradores do Vosso Excelentíssimo Senhor Machado de Assis. Disse que ele era como um deus em suas histórias, e não dava ponto sem nó. O que é o caso do mendigo, senão uma prévia do destino de Rubião? O que é a Opera, em Dom Casmurro, se não uma referência à Otelo que deu fim à vida da pobre Desdémona sintetizando a própria história de Bentinho?
Aos excessivamente religiosos deixo uma blasfêmia: Machado era o messias, o prometido, e não soubemos enxergar!
Exageros à parte, o que é cada fato de nossas vidas ¿ corriqueiro ou singular ¿ senão uma síntese de todo o resto. Uma pista do inexplicável? Sabe-se lá.
(Sobretudo sejamos científicos) Existe ainda coisa que não possamos explicar?
Quando vê, encontra-se em meio a um breume danado quebrado apenas por um abajur com estampas em preto e branco. A conversa segue aos sussurros, sabe-se lá por que. Estabelece-se aquele papo aranha - é o efeito do álcool, provavelmente ¿ fala-se de um tudo, mas, sobretudo, fala-se do que há de mais interessante nesse mundo. Fala-se das pessoas. Fala-se indiretamente nelas enquanto fala-se de si mesmo.
Pode imaginar, ao ler o parágrafo anterior, que falar das pessoas é o mesmo que sentar para fofocar. Engana-se se pensa isso. Há muito mais por trás das pessoas do que um simples homem ou mulher, ou um objeto de curiosidade.
Passado o ímpeto a classificar-me como um ser frívolo, me chamará hippie. Não discursarei contra isso. Tomar-me-á tempo. Avante.
Penso que quando duas pessoas se reúnem para prosear podem ocorrer duas coisas. Uma é que a conversa será uma qualquer e algum dia encontrará o esquecimento; a outra é que, por mais estranha que possa ser, ficará involuntariamente incrustada na memória.
Não é como quando acontece alguma coisa de especial. Um primeiro beijo, por exemplo. Você chega em casa, nas nuvens, e o seu único desejo é nunca na vida esquecer aquele momento.
Muita presunção acreditar que realmente nunca esquecerá. Eu poderia dizer que as sensações nunca são esquecidas (desconfio até que já o disse, aqui, algum dia), mas o que lembro eu, agora, daquele três de setembro (dois anos atrás) que jurei nunca esquecer? Lembro da ansiedade. Do temor. Lembro que me assentei no banco de um 4032 qualquer (eu me sentia nas nuvens) e jurei que nunca esqueceria nada daquele momento. Vês? Neste momento eu mal relembro da garota que repetia, horas antes, traquinamente ¿Julia! Três de setembro! Guarde esta data!¿
Eu não me lembro dos diálogos ocorridos no dia da pipoca. Mas eu me lembro de quando me julgou e disse que eu era uma pessoa que se adaptava. Eu me lembro disso porque dizê-lo a mim não foi, provavelmente, tencionado. Saiu voluntariamente. Como segue pelo acaso a vida.
Talvez daí provenha aqueles dizeres, como são? As mais profundas provas de amor são as mais simples e inusitadas.



Foi uma conversa estranha. Eu acordei pensando nisso. Mas estranhamente não pensei sobre o conteúdo. Pensar sobre o conteúdo seria teorizar sobre ele e teorizar é poder cair em impugnação que, por sua vez, é entregar a matéria a um futuro esquecimento.
Então, um rapaz que eu provavelmente nunca conhecerei pessoalmente fala-me sobre Platão. Ele diz que Platão inventou o céu antes que este existisse.
- Quer ver um exemplo?- ele me pergunta. ¿ Qual a sua cor predileta?
- Vermelho.
- Por quê?
Encarei a tela do computador por alguns instantes. Ecoava por minha cabeça a pergunta: ¿Por quê?¿. Escapou-me um sorriso demente e uma confissão íntima. Eu não sei. Eu poderia tentar explicar que é uma cor intensa e que talvez eu seja uma pessoa intensa. Mas o que são as definições que damos às coisas senão pura presunção?
- Eu não sei. ¿ Respondi tão francamente como eu poderia.
- Vê? ¿ Disse-me. ¿ Isso prova que a sua vida não começa exatamente quando você nasce. Você vem pra terra com um conhecimento empírico que não tem acesso à resposta. Isto prova que viemos de algum lugar.
Não é necessário que você pare por um segundo e se pergunte: Mas ela não era atéia? Sim, mas este ateísmo provém muito mais da falta de crenças do que da própria descrença, como me lembro ter explicado no começo deste.
Fato é que não compreendo porque acredito em monogamias em meio a tantas pessoas que acreditam no desuso desta. (E assim foi até que encontrei pessoas que inexplicavelmente acreditavam no exato contrário disto) E também não há uma explicação plausível para o fato de ter começado a ler tão cedo, por gostar de números e de letras ¿ ao mesmo tempo ¿ e por gostar de vermelho. Da mesma forma, o rapaz da minha conversação sobre Platão disse nunca conseguir encontrar uma explicação por sentir-se atraído por mulheres fumantes (por mais que nunca tenha, por exemplo, namorado alguma).
Mas por mais que a minha única conclusão seja algo próximo ao Caeirismo, eu continuo olhando as pessoas e admirando-as por serem simplesmente pessoas com suas características Platonistas.
No fim sempre aparecerá alguém que dirá: ¿Mas você não tem problemas em escrever o que sente¿. E eu pensarei: ¿Mas você não tem problemas com passos de dança. [expressão corporal¿, ou ¿Mas você não tem problemas em trabalhar com números de cabeça.¿ Ou ainda ¿Mas você não tem problemas em se expressar verbalmente...¿ Mas eu não o direi, pois eu penso muito além da minha capacidade de dizer, e digo muito mais do que gostaria.

Mas é que as pedras na são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto, como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, <<é uma pedra>>,
Digo da planta, <<é uma planta>>,
Digo de mim, <>.
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?


De repente eu me pergunto: Pra quê contar as horas? Se fecho os olhos e percebo que as sensações, e aquela leveza tão particular, todas elas, continuam aqui, tão reais a ponto de parecer que durante os quase três meses passados você esteve sempre aqui, ao meu lado. Afinal, foi você quem disse que para enganar a saudade bastava fechar os olhos. É como pó de pirimplimplim. Eu me lembro de algum dia, de algum silêncio, do seu sorriso o preenchendo. Eu não me lembro que dia foi esse. Mas foi lá que eu soube que não me deixaria mais. Foi como a felicidade, necessária para voar.

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