Quase dez anos atrás dei a este blog o
seu primeiro texto.
Estressada como ando, resolvi relê-lo,
o primeiro texto, como se isso pudesse servir de ritual pra novamente
guinar minha vida.
Tinha, ao escrever tal texto, meus
quinze anos e sofria com o excesso de tempo livre enquanto esperava o
começo do meu primeiro ano de ensino médio. Decidi escrever por
estar perdida em pensamentos e sentir a necessidade de gritá-los
todos ao mundo, afim de espantar a angústia que deixavam em mim.
Extrapolando para o mundo das lembranças, pensava em ser uma
engenheira quando crescesse, e uma escritora nas horas vagas mas ainda havia muito tempo vago ate la.
Uma década, três diplomas, dez quilos
e três graus de miopia depois, cá estou perdida em pensamentos
e sofrendo com a falta de tempo, enquanto tento me encaixar em meu
primeiro ano de doutorado.
Cumprido o ritual, fica a pergunta:
quanto vale uma década na vida de uma jovem mulher de princípio do
século XXI feito, inevitavelmente, eu?
Antes de reler tal texto, minha
primeira resposta seria 'vale uma insônia', mas ao que minha memória
falhou e o texto serviu pra lembrar, já existia a insônia naquele
tempo.
Vale um bocado de coisas triviais:
Vale transformar-se de uma menina de 15
anos em uma mulher de 24 (e trocar a cara de menina de 13 anos pela
cara de menina de 16).
Vale a consolidação de uma identidade
de gênero e a construção de uma intrincada orientação sexual.
Vale a obrigação de votar em 4 eleições e trabalhar de mesária
em duas. Vale a constatação de que não importa se deus existe ou
não, isso não faz diferença em minha vida (e apesar disso
experimentar um crescente receio quanto aos movimentos evangélicos
do país).
Vale assistir quase todos os amigos de
infância sumirem no mundo e me perguntar quando foi que os poucos
com que se mantêm um esparso contato online se tornaram idiotas tao
grandes.
Vale sair da posição de filho que
ouve a mãe dizer “você devia passar menos tempo nessa internet”
para a posição da filha que diz “Mãe, você devia passar menos
tempo nessa internet”.
Vale perceber que não importa quantas
vezes repetimos durante a adolescência que não seremos como nossos
pais, seremos inevitavelmente versões modernas deles ao crescer.
Vale assistir a irma que vi nascer se
tornar uma mulher.
Vale a crescente vontade de ser mãe e
a desconstrução da tradicional família mineira.
Vale um coração partido uma porção
de vezes (e ter partido alguns) e uma meia dúzia de amores pra
recordar.
Vale aprender a gostar de carnaval e a
gostar de dançar (apesar de não ter aprendido propriamente
fazê-lo).
Vale aprender a gostar de cerveja e
continuar sem nunca ter fumado maconha.
Vale uns 600 filmes assistidos e 7
países visitados.
Vale (ter que) aprender inglês, e
começar a ler tudo o que se pode em inglês ate que a cabeça comece
a pensar em inglês (e a ortografia em português
comece a atrofiar).
Vale algumas cicatrizes, 8 pontos (5 na
sobrancelha esquerda e 3 no polegar esquerdo) e 4 dentes (siso) a
menos.
Vale cansar de ouvir metal e passar
gostar mais de música de duas ou três décadas atrás do que de
música contemporânea.
Vale olhar pros próprios pés e
assistir os all-stares gradativamente se transformarem em oxfords; e
as camisetas, em camisas de botão.
Vale perder e recuperar a fé na
humanidade mais de três mil vezes e assim aprender a viver um dia
após o outro da melhor maneira possível; e descobrir o ritmo que a
vida moderna exige, e algumas vezes se distrair e exceder o limite de
velocidade; e então se esquecer por uns dias como se vive um dia
após o outro e, assim, achar que o mundo vai acabar.
Vale esquecer biologia, geopolítica,
história (e tantas outras coisas que nos ensinam antes de estarmos
prontos para a vida adulta) pra sobrar espaço na memória pra mais e
mais física e, apesar de ter obtido um bacharelado e um mestrado no
assunto, ainda ter a sensação de que a física que sei 'e muito
pouco.
Vale assistir a engenheira e escritora
que eu seria quando crescesse ficando pra trás em meio a poeira e a
mulher cientista brotar em terreno tao insólito em algumas estações.
Quase uma década depois daquele
primeiro texto, encontro-me novamente perturbada por esse quarto com
poeira a se acumular nos cantos. Quarto, este, que 'e bem menor que o
de outrora, não por agora ser parte de um reduzido apartamento
próximo `a universidade, mas pelo tamanho que me tornei e pelo
volume ocupado pelos meus pensamentos; pensamentos que flutuam numa
turbulenta atmosfera constituída de algumas boas ideias, alguns
fantasmas e, sobretudo, caos. Sinto-me como um náufrago que
experimentou a sensação de quase se afogar na correnteza e, após
de fato se afogar, percebeu que nada muda depois
que os pulmões terminam de encher-se de água. A vida apensar
continua com o seu um dia após o outro. The show must go
on.
Volto-me novamente a este blog como uma
tentativa de organizar meus pensamentos, truncá-los, pô-los em
ordem, aceitá-los, colori-los e assim recuperar a minha capacidade
cognitiva e a minha licença poética.
2 comentários:
Por favor
QUANTO VALE UMA DÉCADA
"...Sabe aquela resposta que está dentro de você e não sai?
Ela é como quando se bate o cotovelo que, mesmo sem sangrar, dói.
É como quando se morde a língua que, mesmo sem sangrar, dói.
Regret.
É tanto quanto quando podíamos... e não foi.
E hoje, já sem cotovelos, vivo em ais de gessos..."
Postar um comentário