Dezesseis
anos atrás era o meu primeiro dia de aula depois das férias de meio de
ano da primeira série. Eu já sabia escrever e fazer cálculos mentais e
queria faltar o primeiro dia de aula pra ficar em casa brincando. Minha
mãe, grávida de oito meses e sempre impassível sobre esses assuntos de
"ir à aula como deve ser", disse que “não querer ir não era motivo pra
faltar”. Tive que ir.Na hora em que o sinal tocou e a Sônia foi me
buscar ao invés de minha mãe, tive a certeza: “Não era pra eu vir pra
aula!”
Era a Flavinha que, assim como eu, resolveu nascer uma quinzena antes e impediu minha mãe de ir me buscar.
Passei o resto do dia elétrica de empolgação. Naquela época o hospital
era longe e quase ninguém tinha carro. Fui obrigada a me contentar com o
pensamento: “agora eu tenho uma irmã!”, e esperar o dia seguinte
chegar.
No dia seguinte finalmente me deixaram matar aula. Me
levaram até a maternidade e colocaram aquele pacotinho de panos no meu
colo. Olhei pra ela, que tinha cara de joelho, um cabelo fino e pretinho
e nem sequer abria os olhos e pensei: “é isso?” Em resposta ela vomitou
em mim.Ora, não importava, ela era linda e era a “coisa” que eu mais
tinha desejado na vida até então.
Na minha cabeça de criança,
eu ganhava um brinquedo que aprenderia a falar, andar, brigar comigo,
brincar comigo e tudo isso tinha chegado antes do natal! Eu tinha
ganhado uma irmãzinha que iria crescer e brincar comigo!
O que eu não sabia era que naquele dia, tinha nascido a minha maior companheira e a pessoa que eu mais amaria nessa vida.
Hoje ela faz dezesseis anos, já é quase maior que eu e como uma boa
irmã há dias em que me tira do sério, quase sempre por seu jeito tão à
beira de um ataque de nervos. (Ou quando perde média em física e diz que
a culpa é minha, e não dela ) Mas passa sempre um segundo e eu já
perdoei. E quase que diariamente ela fala na minha cabeça até os
meus ouvidos calejarem, me contas os seus problemas adolescentes, me
lembra de quão fácil era a vida antes de ser um adulto, fica irada toda
vez que acha que eu não dei importância suficiente pro caso do fulano,
amigo do beltrano que eu nunca vou nem conhecer. E aí de quando em
quando me mata de felicidade, sem nem saber. Por que eu olho pra ela,
vejo o jeitinho dela e morro de orgulho por ela ser tão jovem e já tão
Mulher com M maiúsculo em meio ao tanto de “futuras-mulherzinhas” que
essa geração 2000 produziu.
Às vezes até trato ela dum jeito meio
mãe leoa, como minha mãe sempre me tratou, pois sinto que ela é também
um pedacinho de mim; um pedacinho de mim que deu certo e vingou. E ela
me olha de volta com uma cara que deve ser espelho da cara que fiz pra
ela quando vomitou em mim em seu primeiro dia de vida. Aquela cara de
irmão mais velho que diz: “Tá tudo bem, o mundo não vai acabar e, caso
acabe, estou aqui e te protejo”.
Hoje faz 16 anos que ela existe no
mundo e, antes de desejar a ela um Feliz Aniversário, me vejo aqui
dizendo mais uma vez: “Ainda bem que ela existe!”
Ainda bem!
Um comentário:
perdoa-me o comentário. algo se perde no meio de tantas palavras. digo que é mister que nada se perca, mesmo que seja busca do inalcançável, procura pelo irrecuperável.
ganhos destes tempos: narrações polaroid, versos livres e o blog como palimpsesto.
as perdas são pelo mesmo motivo.
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