quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Cantoria de Árabe

Arrumei esse amigo. Desses que a gente arruma sem saber por que, ou onde, ou quando. O que ele tinha de diferente de todos os outros? Ele pirava mais que eu. Pode-se perguntar, querido leitor, ao que me refiro ao dizer “pirar”. Ele pirava com o tudo. E como pessoa que pira com tudo eu digo: é tudo mesmo cara, tudo.
Ele pirava mais com a física, com a falha miserável que o universo cometeu ao permitir a existência do ser humano, com o amor...

A explicação que consegui pra isso (dele pirar mais...)? Viver dói, o velho clichê adolescente que todos nós conhecemos uma vez na vida e que alguns carregam vida adulta a fora.
Viver dói em mim, viver dói em você, mas viver sempre dói mais nele. Por que ele sabe levar o a flor da pele à sério de mais. Ele é uma ferida aberta e ele sabe carregar aquelas olheiras que gritam com você raivosas: Não importa o quanto você se importe com o significado da vida! Eu fui além!

E então muitas vezes, como ontem, eu chego ao ápice da dor do cotidiano e eu não quero ver ninguém, falar com ninguém, me importar com ninguém, mas eu tenho que fazê-lo. Não sou mais um neandertal e o mínimo que esperam de mim é que eu saiba viver em sociedade.
Então eu cuspo marimbondos para todos os lados, já que marimbondos a sociedade moderna permite.
E depois de umas doze horas nesse ritmo enlouquecedor ele me questiona
“Você tá pirando, Julia seashell eyes?”
“sim, viver dói.”
“então para quê viver?”
“viver é não desistir e desistir é perder”
Então ele me cita Otto Mezzo e a ideia de que mais vale uma página em branco que uma obra incompleta. Deixando por fim a repetida questão “viver para que?”
E então me conta histórias. Histórias que não interessam aqui, mas que fazem quaisquer das minhas dores da existência fúteis, frívolas, inúteis. E só me resta a sensação de impotência.
E isso me toca. Me toca e me desespera. Busco pela velha âncora.
Onde estão as palavras? Penso em onde as perdi. Quando as perdi. Por que as perdi. Procuro-as no âmago. Encontro algumas. Imito-o e recito o otto e mezzo. É sempre mais digno educar-se ao silêncio que calar-se pela eternidade.
Ele diz apensas “bonitas, as suas palavras”
Me dói novamente não ter outras. Ser só isso.
E eu estou exausta depois de um dia de piração. Tenho sono. Penso em ir dormir. Reflito sobre os pensamentos que meu amigo acaba de dividir. Sigo sua linha de pensamento. Penso em quão estranho seria o mundo se amanhã ele não mais existisse.
Durmo com receio.
Mas no dia seguinte, ele ainda existe. Sinto um alívio branco, límpido. Corro pelo DF. Faço as suas vontades mesmo que elas me levem a olhos que não quero encarar (olhos que doam).
É quinta-feira, e quinta-feira é dia de cantoria. A noite chega. Deixam à sua mão um violão e faz-se a mágica.
Ele é uma das pessoas mais tristes do mundo, mas ponham um violão em suas mãos e ele canta com uma alegria que jamais alcançarei e nem ouso almejar. É pura demais. Simples demais.
E eu sinto-me feliz por ele por que ele pira demais mas a sua alegria é muito mais genuína. E assim ele me dá um tom. Ele é o grave que me lembra exatamente onde se começa a afinação.
E se ele canta “cadê teu suin?”
eu respondo: “ele tá na vida”
então a gente deve continuar vivendo, certo? Por que é a única coisa que nos resta a fazer.
O show não pode parar.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Atualização de Cadastro

Atualização de Cadastro

Conseguiu um diploma. Virou mestranda, ganhou um título, um cubículo e um contrato.
Ganhou sete quilos, dois graus a mais de miopia, pinto ou cabelo de roxo e adora dizer que é pra combinar com os óculos vermelhos. Tentou raquetes, tentou correr, tentou a piscina, o boxe e o circo. Mas no fim ficou ainda mais sedentária. Trocou o all star por sapatos novos. Metal por música eletrônica. Permaneceu genuinamente estabanada e por isso ganhou algumas cicatrizes novas. Perdeu a dicção e de repente ficou sem tempo. É que de uma hora pra outra uma década pareceu passar rápido de mais. E pra lidar com o tempo, aprendeu a apreciar os ritos de passagem.

Continua a não ter fé na humanidade mas briga com a própria consciência, o tempo todo, na esperança de estar errada. De vez enquando convence alguém de que não vale mesmo a pena nutrir tal fé. Se entristece por isso.
Dualmente, pensa que não saberia viver sem eles. Seres humanos.

Quando na escola, tinha certo medo de crianças menores reunidas em número alto. Medo que evoluiu pra pavor de massas em movimento. Não consegue andar em um shopping, por mais de dez minutos, sem se irritar profundamente. Aliás, de uma forma geral, gente a irrita. Se felicita nas exceções.

Aprendeu a geometria, aritmética e astronomia. Abriu mão da gramática e da retórica pra isso. Só não aprendeu a música pra não perder a lógica.

Tenta dormir oito horas por noite, ler no ônibus, passar menos horas ligada ao computador, acordar no mesmo horário, beber menos café... É pra ter rotina. Aprendeu a resolver tudo pelo período de oscilação da amostra e acha que a vida não funciona se não for nesse regime. Às vezes até queria ter disciplina militar, mas pensa que isso lhe toleria também a mente e, assim, logo desiste.

Achou uma explicação científica à monogamia. É que problema de três corpos não tem solução analítica. Pra brindar isso, perdeu uma penca de chaves.

Aprendeu a viajar de vez em quando. É Pra sentir saudade. Pra ficar feliz ao rever os belorizontinos nossos de cada dia quando voltar e com isso enganar a sensação de que não deveria estar aqui. Sensação não, certeza. Essa ela mantém. A de que está no lugar errado. E enquanto toda a geração acha que nasceu na época errada, ela acha só que nasceu no lugar errado, mesmo não tendo a mínima de ideia do que é o lugar certo, ou de onde ele seria. Aprendeu tudo o que pôde sobre o espaço-tempo e o espaço de Hilbert tal que é consciente de que é preciso preservar a norma e aceitar a não-simultaneidade das coisas.

Desistiu de ir pro deserto, é muito quente. Mas iria tranquilamente pra antártica.

Um dia, o qual ela deve ter narrado aqui, resolveu subir num tamborete e largar o coração lá de cima só pra ver se ele respeitava a queda livre ou tinha constante elástica. Ele não quicou, só rachou aqui e ali. Encucada, resolveu tentar jogá-lo novamente de algum lugar, dessa vez de cima da lage. De novo ele não quicou, mas soltou um pedaço. Isso a deixou assustada. Mas o pedaço encaixava mais ou menos no lugar de origem e com algum remendo parecia novo. Tentou de novo do segundo andar e dessa vez foram quatro pedaços. Foi aí que começaram a surgir ideias mirabolantes e perguntas que ela não consegue responder. Buscou torres, andaimes, penhascos, os prédios mais altos da cidade e até o topo de antenas. O caso é: os cacos são sempre grandes o suficiente pra poder juntar tudo de novo e seguir em frente. Só que algumas vezes eles são menores ou maiores que em outras. E foi pensando nisso que veio a pergunta e desde então ela não consegue tirá-la da cabeça. Em quantos pedaços é preciso parti-lo pra chegar à unidade essencial da matéria?

Não sabe mais escrever. E só mesmo uma noite de insônia pra fazer ela vir aqui espantar as moscas.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Tô me guardando pra quando o carnaval passar.