O fato de se possuir internet no computador de seu quarto, vinte e quatro horas por dia os sete dias da semana pode não implicar que passará a escrever diariamente como fazia há tempos atrás. Por outro lado cessa-se assim o processo escrever / não ter como publicar / salvar o texto em alguma pasta / uma semana depois achá-lo / lê-lo / achar que o texto é péssimo / deletá-lo, já que de uma forma ou de outra, antes que venha o ímpeto "falta de ego do escritor" o texto já estará em seu devido lugar. Já faz tempo desde que a atividade era semanal, quase diária. Então cai sobre nós a dúvida. Seria escrever como andar de bicicleta? Ou ainda: Seria o hábito do surrealismo a perdição de qualquer coerência textual? E enquanto uns perguntam se existe vida após a morte me pergunto se existe atividade literária após o cálculo. Um indício preocupante é a piora na dicção. De repente falar integral e entregar na mesma frase torna-se um tremendo trava língua. Mudar-se para as humanas? de forma alguma. Ainda prefiro o niilismo numérico ao comunismo. Mesmo que o café não cure a ansiedade e que a série do livro que te fez começar a escrever e era provavelmente o último resquício da infância tenha chegado ao fim. Cada um tanto pode sempre ser o último parágrafo a ser escrito; quanto pode, vilmente, ser o primeiro dos que virão. E então o dia após dia. A sucessão de fatos. Os fluidos. Os efeitos fotoelétricos. A cólica. A pilha de livros. A greve da biblioteca. O erro absurdo nos dados experimentais. A paciência e sua existência, divida nos extremos de ser perdida ou mantida. O instante. "...para cada instante de meu passado mil futuros diferentes me parecem concebíveis."¹ O cheiro do café. O ar condicionado. A chave a ser copiada. Afinal, o cálculo servindo à física; gaal servindo à física; nós mesmo servindo à física. O burburinho de gente. O barulho do ônibus. O barulho da cidade. O barulho da máquina. A música do vizinho. Junte todos e enlouqueça. A máquina de vácuo. O caderno de receitas. Os cartões na parede. O chapéu coco se enchendo de poeira. O boneco de neve, ainda na prateleira. O pateta de camisola. As coisas empilhadas. Os assuntos empilhados. As chances empilhadas. As roupas empilhadas. Os biscoitos empilhados. Os papéis empilhados. Nada gangorrando. Então escreve? Empilhando palavras, ou desempilhando tudo. É quase a dualidade onda-partícula. Boa tarde e até amanhã.
¹Beauvoir
águas salgadas
-
Labirinto
Lá no mar
Grito
Mais
Grito
Amar
Sinto,
Mas
Ressinto.
Amar
as águas salgadas
no fundo
Amar
não é
Mais
tão fundo.
Sinto
Muito.
Eu
Devoro a e...
Há um mês
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