quinta-feira, 22 de junho de 2006

FLUXO DE CONSCIÊNCIA

"É engraçado como a maior parte das pessoas pode estar perto de alguém e gradualmente começar a amá-lo, mas jamais saber quando foi que isso aconteceu..."
(Tomates verdes fritos no café da Parada do Apito - Fannie Flagg)

Havia uma garota de cabelos compridos e tênis largos cuja aparência aparentemente não condizia com o seu "ser" cdf religioso.
Eu poderia seguir a vida sendo alguém indiferente ao mundo e às pessoas, assim, nunca gastaria mais que um minuto com alguém como a menina de calças largas.
Aconteceu que um dia eu me desafiei a olhar aquela garota nos olhos para então concluir que ela não passava de uma criança, me distraí por uns instantes, quando olhei novamente parecia muito mais adulta do que ela mesma gostaria.
Os dias demoram muito a passar. Mas assim que viram passado, no tempo psicológico, os dias se tornam milionésimos de segundo.
Tentar lembrar, com toda a intensidade cabível, cada dia que se viveu ao lado de alguém importante que está longe é quase como tentar assistir Evangelion sem se perder no enredo.
Havia uma garota ruiva que às vezes passava na minha frente durante o recreio. Se nossos destinos fossem guiados por nosso comodismo, eu nunca teria trocado uma palavra com ela.
Ela passava, eu a via, mas não a notava. Eu sequer poderia imaginar que um dia eu chegaria a conclusão de que entre todas as pessoas complexas que eu poderia conhecer, ela sempre estaria sobre o pedestal, com um faixa brilhante no ombro e uma flor amarela, medrosa, atrás da orelha .
Não me lembro qual era a tonalidade exata da tintura que usava para tingir os cabelos. Arrisco dizer que era algo como vermelho intenso. Intenso. Como um orgasmo: dizem que, por natureza, são eles curtos e intensos.
Eu poderia pinta-la em cores de Machado e dizer que tinha olhos de ressaca. Não, não eram oblíquos ou dissimulados. Eram olhos do tamanho do mundo e de todas as cores do arco-íris. E por serem de ressaca me arrastavam mar à dentro, para qualquer lugar.
Dói pensar que, por mais que os dois quarteirões que separam os prédios sejam só dois quarteirões, são eles como um abismo.
Havia um buraco negro à nossa porta. Olhávamos pra dentro dele e víamos nossos brilhantes futuros. Víamos o universo e, por mais que não costumássemos dançar, dançávamos através dele.
Nunca nos drogamos, nunca roubamos, nunca permitimos que a promiscuidade se aproximasse, nunca deixamos de estudar, passamos de ano no terceiro bimestre, passamos horas debatendo a física em um grampo de cabelo. Éramos perfeitos e invencíveis, mas um dia o telefone tocou e, com ele, a garota dos cabelos negros foi sugada pra dentro do buraco negro.
No início do mês confessei a uma amiga em comum o meu saudosismo. A resposta: "Ela escolheu se omitir e se submeter. Ela alega não ter escolha, mas se quisesse teria... Pra mim ela morreu."
Gostaria de ser comodista em momentos como este, e aceitar que pessoas prejudicam aos outros por sadismo gratuito enquanto outras procuram o caminho das pedras; Mas se fosse você o dono da história, abriria mão do seu melhor personagem? Deixaria morrer a sua heroína?
Ontem o meu melhor amigo fez dezoito anos e eu pensei: o tempo voou. Semana passada um velho conhecido contou-me que pessoas passadas iriam juntar. Seria crueldade satirizar? Assisti ao Ronaldo fazer dois gols, apesar de particularmente odiar futebol. Engordei seis quilos nos últimos meses. Meu médico sugeriu, na semana passada, que começasse a fazer exercício físico três vezes na semana para que até a época do vestibular eu tenha preparo físico e mente tranqüila. Está frio, minhas costas doem e eu prefiro comer pipoca tomando café enquanto reflito sobre como a metade do mundo consegue ser tão insuportável.
Uma garota da sala ao lado deixou de ir a aula faz uns três meses. Ela odiava noventa por cento de sua classe, talvez por isso escolheu perder o ano e se trancar em casa, a salvo do mundo.
Como será daqui a quinze dias, quando uma família Mulçumana inglesa for ao aeroporto receber o novo hóspede?
Faltam menos de seis meses para o vestibular e, se não for mexer com número, estudo vem depois de comer e dormir na lista de prioridades.
Eu a amaria pelo resto da vida se voltasse a pintar o cabelo de vermelho e aprendesse a ser só minha amiga.
Troquei o agudo por alguém que me ensinou a ter calma.

"A primeira vez que eu toquei não senti nada."
"Hã?"
"A sua mão. A segunda vez, fiquei um pouco...com nojo."
"De...desculpe. Não foi de propósito."
"A terceira vez, senti um calor. Através do macacão senti a sua temperatura. A quarta vez, eu fiquei feliz... Com a sua preocupação por mim."
[silêncio]
"Eu poderia tocar mais uma vez a sua mão?"
(Rei Ayanami - Neon Gênesis Evangelion #16)



Se não vale pedir pra ficar, posso ao menos dizer que sentirei imensa falta?

Guardarei a carta na garrafa. Guarde o fato de que conseguiu me fazer amar quando eu jurei que não amaria a mais ninguém.