Como toda boa moça, teve lá o seu primeiro amor
daqueles cor-de-rosa. Como desde sempre foi peculiar, o seu foi
vermelho. Vermelho escarlate, como as unhas pintadas e o adidas no
pé. Pra mãe, coitada, pior que a filha encontrar uma barriga no
meio da adolescência, só a filha achar a chave vermelha da porta de
madeira na saída da escola. Um escarcéu e o escambau. A menina,
transformada em Julieta e achando que ia morrer, construiu uma
muralha em torno do próprio coração e foi dar um jeito de virar
adulta.
Fez toda birra que pôde só pra provar
tim tim por tim tim as contradições da mãe; pra se fazer aceita, é
claro (já que o que toda boa moça mais quer na vida – mesmo as
mais peculiares – é a aprovação da mãe), e se afirmar como
adulto. Tirou nota boa, arrumou o quarto, passou no vestibular,
manteve o cabelo bem cortado, a cara limpa, a cama alinhada, os
livros em ordem alfabética, os vizinhos sem barulho depois das vinte
e duas. Arrumou até uma princesa, dessas nascidas pra comprazer pais
e mães.
Um belo dia acordou e era adulta e não havia nada que se pudesse fazer. Era adulta, e feliz por ser adulta lá no centro de sua muralha. Só tinha um problema: agora que era adulta, se sentia só (mesmo com a princesa). Sentia-se tão só quanto somente os adultos que construíram muralhas em torno de seus corações ao final da adolescência são capazes de se sentir. Sentia-se só e só.
Sentia-se tão só que foi fazer o que todos os adultos solitários fazem: descobriu a noite; fez-se boêmia; aprendeu que podia gostar de carnaval, mesmo sambando torto; criou amores imaginários (até amou alguns deles); descobriu a luxúria; aprendeu letras de músicas, a cozinhar e a manter os amigos por perto (é só colocar todo mundo alinhado à muralha e sempre oferecer boa comida através de uma portinhola que funciona); trocou cartas com muralhas vizinhas; sequestrou Rapunzels pra enfeitar a torre mais alta com suas tranças; até falou com o pessoal lá fora: “se vocês correrem em um sentido, e eu correr rápido o suficiente pro outro, a muralha some!” Some nada. Fica lá inerte e segue a moça onde for.
No meio de uma dessas incursões pela noite Belo Horizontina, entre um amor imaginário e uma Rapunzel, foi topar com outra moça torta, dessas provavelmente concebidas na noite de comemorações da queda do Muro de Berlim; a qual,nascida, depois que a década virou, com uma noção distorcida do significado de muralhas, muros e coisas feitas do tijolo, trouxe consigo pra noite um enorme peixe daqueles vermelhos que vivem no centro da Terra. De tão grande que era, enquanto as moças se olhavam, o peixe trombou com o chão tão forte que a muralha até rachou.
Sabe aquele raciocínio de criança? 'Se for brincar de bola nos fundos da casa, ninguém vai perceber que fui eu quem quebrou o vaso chinês na varanda da frente.' Ora, a muralha é espaçosa (é preciso espaço para se sentir só), é só correr na outra direção e o que os olhos não veem, o coração não sente.
Não sente, mas as noites e noites caçando fantasmas são sintomáticas. E quando de noite, se tranca no escuro do quarto e vai dormir, no fundo, sonha com o dia de experimentar de novo a sensação daquele mesmo peixe vermelho trombando contra a Terra e rachando a muralha; noite após noite, até que um dia os tijolos esfacelem e ela se sinta menos só.
Um belo dia acordou e era adulta e não havia nada que se pudesse fazer. Era adulta, e feliz por ser adulta lá no centro de sua muralha. Só tinha um problema: agora que era adulta, se sentia só (mesmo com a princesa). Sentia-se tão só quanto somente os adultos que construíram muralhas em torno de seus corações ao final da adolescência são capazes de se sentir. Sentia-se só e só.
Sentia-se tão só que foi fazer o que todos os adultos solitários fazem: descobriu a noite; fez-se boêmia; aprendeu que podia gostar de carnaval, mesmo sambando torto; criou amores imaginários (até amou alguns deles); descobriu a luxúria; aprendeu letras de músicas, a cozinhar e a manter os amigos por perto (é só colocar todo mundo alinhado à muralha e sempre oferecer boa comida através de uma portinhola que funciona); trocou cartas com muralhas vizinhas; sequestrou Rapunzels pra enfeitar a torre mais alta com suas tranças; até falou com o pessoal lá fora: “se vocês correrem em um sentido, e eu correr rápido o suficiente pro outro, a muralha some!” Some nada. Fica lá inerte e segue a moça onde for.
No meio de uma dessas incursões pela noite Belo Horizontina, entre um amor imaginário e uma Rapunzel, foi topar com outra moça torta, dessas provavelmente concebidas na noite de comemorações da queda do Muro de Berlim; a qual,nascida, depois que a década virou, com uma noção distorcida do significado de muralhas, muros e coisas feitas do tijolo, trouxe consigo pra noite um enorme peixe daqueles vermelhos que vivem no centro da Terra. De tão grande que era, enquanto as moças se olhavam, o peixe trombou com o chão tão forte que a muralha até rachou.
Sabe aquele raciocínio de criança? 'Se for brincar de bola nos fundos da casa, ninguém vai perceber que fui eu quem quebrou o vaso chinês na varanda da frente.' Ora, a muralha é espaçosa (é preciso espaço para se sentir só), é só correr na outra direção e o que os olhos não veem, o coração não sente.
Não sente, mas as noites e noites caçando fantasmas são sintomáticas. E quando de noite, se tranca no escuro do quarto e vai dormir, no fundo, sonha com o dia de experimentar de novo a sensação daquele mesmo peixe vermelho trombando contra a Terra e rachando a muralha; noite após noite, até que um dia os tijolos esfacelem e ela se sinta menos só.