quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A casualidade e o mundo pós apocalíptico.

Não sei como faz.

Não vou me prender aos clichês. Adoro usá-los como estilo em prosa, mas cá não servem mais.
Arrancaram-me um pedaço e a priori este não era fundamental. Era desses parafusos de segurança que vêm a mais nas máquinas e que, no frigir dos ovos, diferença alguma faz perdê-los. Tem gente que morre de amor e acha isso romântico. Não sou feita desse barro (acho que meu barro nem desse mundo é), ainda assim ao reler este post me sinto como um ultra-romântico autêntico e vindo direto do séc. XIX. Habito o espaço dos que pensam demais, refletem demais, delongam demais. Espaço no qual a maior declaração de amor possível é a não usual troca da reflexão interminável pelo viver. Sobrevivi à avalanche com a mesma displicência com que sobreviveria a um furacão e demais desastres naturais. Acaso mesmo só na posição geográfica. Parece que não tinha mesmo outro jeito. Ou era soterramento ou vida serena pra sempre e chato da Silva.

*

Em meio a tantos parafusos que pra nada serviam finalmente levaram-me um primordial. Parando pra pensar, não sei como fui deixá-lo bambo. Acho que simplesmente não me importava até que dei pela falta. Andava displicentemente pelo mundo e numa esquina dei de cara com o bendito parafuso. Incrível como é rápido o reconhecimento do que por natureza é seu. Bastou aquela faísca quase insignificante e eis que aumentou a entropia do universo (ou, sob uma visão bem astronômica, ocorreu o próprio BigBang e do absoluto nada surgiu o todo e ao todo só cabe – como direito de nascença, ignorar completamente a possível existência de qualquer coisa anterior).

Apesar do vício por floreios, acho que reconheço bem os fatos. E o fato é: Serve bem, no outro, o parafuso levado. E na semiótica da vida, o passo é novo e constante.

Seguindo os passos normais de alguém adulto, faço o teste e encaro o meu maior defeito: o pensar demais. Trunco os fatos, os embaralho, às vezes até os diminuo, mas nenhum procedimento pessimista padrão me permite encontrar o ponto falho que descolora as coisas. Os velhos empecilhos padrão de relacionamentos, como a diferença essencial e fatídica entre os dois seres só vêm nos transformar em primavera. E de lá pra cá, eu espero o amanhã chegar com muito mais vigor. Eu tenho muito mais paciência com gente. Eu fico mais feliz com a vida pelo que ela é. Eu consigo ter, até mesmo, fé na humanidade. Viver nunca pareceu tão certo.

Meu subconsciente só não engole a casualidade. Sou grata a ela por sua manifestação existencial. A adoto como jargão. Mas ao tentar engoli-la, a assisto topar com o cientificismo e não conseguir passagem.

O problema todo é que pela primeira vez na vida eu me senti caber em algum lugar. Mas e agora? Como posso continuar com a vida sabendo que existe tal lugar no mundo?

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O cara do crochê e da cachaça

Existiu um Jarbas alguma coisa no cenário político nacional no início do século passado, não existiu? Quando penso nesse nome lembro da era Getúlio Vargas. Tinha, ou não tinha um Jarbas no tal do PDT?

Eis o caso de umas semanas atrás.
Estava eu na aula de Métodos em Física Teórica A . O professor é desses meio loucos. - Antes que alguém se atreva ao clichê “Mas pra virar Físico tem que ser louco”, ressalto: o professor é desses loucos, loucos mesmo. Eu arriscaria incluir à história remédios controlados e tudo o mais. - Não me lembro mais por que diabos, ele resolveu contar à classe sobre a única vez em que foi expulso de sala. Ainda era estudante de graduação e, durante uma aula, engajou-se numa disputa de piadas com um amigo. Era o amigo físico experimental e o tal professor físico matemático e disputavam quem contava a melhor piada ofendendo a especialidade do outro. O amigo ganhou e o meu professor riu tanto que foi expulso de sala.

Eis a piada, que segue aqui com menos jeito para piadas que a versão oficial:

Chegava o físico-matemático em casa após um árduo dia de trabalho, quando encontrou a mulher fazendo tricô. Bateu o olho naquilo e ficou fascinado. Usando duas agulhas, ela partia de um objeto unidimensional (linha) e o transformava, com um movimento bidimensional (pra frente pra trás), num objeto tridimensional (o ponto). Encabulou-se e começou a matutar. Perdeu a fome e não quis jantar com as crianças, ficou refletindo sobre o tal do tricô. Os outros problemas (importantes) com que vinha trabalhando foram deixados de lado, até que depois de uma semana de reflexão veio a solução. Triunfante, procurou a esposa e disse:
- Mulher! Fiquei pensando sobre esse tal tricô e finalmente consegui provar matematicamente que é possível fazer a exata mesma coisa usando uma agulha só.”
A esposa, achando graça, respondeu:
- É claro que tem, chama-se crochê.


A sala inteira riu. E, tirando-se o quê machista da piada (o qual diga-se de passagem depois de alguns anos de ICEx aprendi a categoricamente ignorar) a piada teve graça.

Resolvi recontá-la a dois amigos (futuros físicos-matemáticos) desses que pensam que o bandejão fortalece o estômago e que formalismo matemático decente é coisa de macho.
Contei e eles não riram. Mas a piada tinha graça. Então um deles admitiu: “Não sei qual a diferença entre crochê e tricô”.
Perguntei: “Você não tem avó?”
...
Foi então que me lembrei dum sujeito, faltava lembrar o nome.
“Tinha aquele cara da física que era da nossa turma quando éramos calouros...”
“Que cara?”
“O que fazia crochê no DA...”
“Acho que lembro de alguma coisa assim... Era o mesmo cara que sabia falar 100 casas decimais do pi de cór?”
“Acho que era... Era um cara do Vale do Jequitinhonha, que teve um ataque cardíaco...”
“Aquele cara teve um ataque cardíaco?!”
“Teve, na véspera da nossa primeira prova de cálculo. Ele não veio fazer a prova, ninguém sabia o por que. O cara sumiu por uns dez dias e depois apareceu no DA com um galão de cachaça e um marca-passo amarrado no cinto.”
“O cara teve um ataque cardíaco e voltou com um galão de cachaça?”
“É, ele teve um ataque cardíaco, foi passar uns dias com a família no Vale do Jequitinhonha e voltou com cachaça de lá... Não lembra dele fazendo crochê no DA e tomando cachaça com café?”
“Claro que me lembro! Como é mesmo o nome do cara?”
“Não sei, mas acho que o apelido era Pedreiro”
“Ele tinha um nome de avô...”

Nenhum dos dois conseguiu se lembrar. Fiquei encabulada. Resolvi passar no DA e ver se alguém se lembrava. Lembravam do Pedreiro pessoa, não do nome próprio dele. Foi preciso alguma insistência até que alguém finalmente disse:
“Era Jarbas!”

Jarbas! Como poderia ter me esquecido de um nome desses?
Lembrado o nome fiquei rindo sozinha do sujeito por uns dias. Dividi a lembrança com algumas pessoas de meu convívio. Parece que ninguém sabe o que foi feito do cara. Uns tiveram notícias de prisão por uso de drogas. Outros mal se lembravam que ele existia o que é bem triste para alguém tão caricato.
Ao menos fica a anedota.
A qual talvez um dia eu conte aos meus netos. “No início do século, quando entrei pra faculdade tinha um sujeito na minha turma que fazia crochê, usava um marca-passo, tomava cachaça e recitava centenas de casas decimais do pi...”

Dos vinte e poucos para os oitenta são quase sessenta anos. Talvez até lá já exista algum calouro de física que saiba os 2699999990000 conhecidos hoje de cór.
Talvez até lá o sistema universitário brasileiro tenha colapsado e “calouro” seja palavra em desuso.

Será que meus netos saberão o que era um “marca-passo” ou eu terei que explicar?